Páginas

domingo, 19 de fevereiro de 2012

Guarda o teu Coração


"Sobre tudo o que se deve guardar, guarda o teu coração, porque dele procedem as fontes da vida". - (provérbios 4.23) 

Neste texto Salomão nos chama a atenção para uma realidade óbvia. De que tudo aquilo que é bom, importante e valioso para nós, deve ser guardado, pois do contrário, podemos perdê-lo. 

Esta é uma verdade que não precisa de muitas explicações, pois é inerente a todos nós. 
Uma verdade prática e bastante comum em nosso cotidiano. 

Podemos percebê-la, por exemplo, no cuidado que temos com a saúde. 

Muitos de nós, fazemos dietas, tomamos certos medicamentos, praticamos certos esportes, mudamos nosso estilo de vida, tudo isto só para não perder a nossa saúde. 

Isto é guardar para não perder. 

Outro exemplo prático é o cuidado que temos com o nosso patrimônio. 

Todos nós ao recolhermos para dormir, guardamos tudo. E por que fazemos isto? 
A primeira instância, porque queremos guardar a nossa família, que é o nosso maior patrimônio, mas também, porque queremos guardar os nossos pertences e bens, que quase sempre é fruto das nossas conquistas de trabalho e do nosso muito esforço. 

Isto, também é guardar para não perder. 

Guardamos porque é valioso para nós. E conforme Salomão é para guardarmos mesmo. Afinal, nenhum de nós, gostamos de perder nada. Na verdade, não fomos confeccionados e nem preparados para lidar bem com a perda. Sofremos com ela, independente qual seja a sua extensão. 

E é por isso que devemos cuidar com muito esmero de tudo o que temos, porque tudo o que temos pode ser perdido. 

Esta é uma verdade óbvia. Mas acredito que não é apenas isto que o texto nos propõe a ensinar. A grande lição deste texto vai muito mais além do que isso. Na verdade, a grande proposta deste texto é nos ensinar que acima do cuidado que devemos ter pelas nossas “coisas”, precisamos ter muito mais ainda com o nosso coração, porque semelhantemente, nós também podemos perdê-lo. 

Todos nós, sem exceção, estamos propensos a perder o nosso coração. 

Eu diria até, que muitos de nós já o perdemos. Pois esta é a impressão que se passa, de uma geração de seres vazios e endurecidos, desprovidos de alma e de emoção, que reduz a vida a uma simples consequência do existir. 

Eu sei que existem perdas em nossas vidas que são pequenas é reparáveis. Que por mais que a gente chore, se abale, sofra, mesmo assim, estas perdas não mexem diretamente com o nosso ser. 

Um exemplo claro é o caso de um celular que a gente compra com muito esforço e muito suor, e de repente perdermos, ou somos roubados. Esta perda vai nos deixar triste, abalados, mas ela não mudará diretamente o nosso ser. 

Porém com o coração tudo é diferente. 

Ele é o centro da vida humana. Aquele que dá origem a todas as manifestações do ser. Conforme as Escrituras, toda a nossa vida exterior, é determinada pelo estado em que este coração se encontra, pois ele tem o poder de embelezar ou de “enfeiar” o nosso semblante (Pv 15.13), assim como também, de transmitir doçura ou amargor através da nossa língua (Mt 12.34 / 15.11), assim como nos fazer vigorosos ou abatidos de espírito (Pv 12.25 / 17.22). 

Diante deste quadro, eu entendo o porquê, que nós não podemos perder o nosso coração, e o porquê, precisamos cuidar dele com muita atenção. 

Primeiro para não perder a fonte de onde a vida emana, e de onde ela tem sua origem. Pois conforme o texto de Pv 4.23, é do coração onde procedem todas as fontes da vida. Isto significa que a vida, como alegria e sentido de existir, tem origem no coração, e quando perdemos este coração, nos tornamos em seres “sem vida”, cuja vida perde completamente o sentido de ser. Sem coração nos tornamos em seres “zumbificados”, que caminha, que se alimenta, que fala, e que faz todas as outras coisas, mas que apesar de tudo isto, é um ser “sem vida”, ou melhor, um “morto-vivo”, 

Segunda razão porque não podemos perder o nosso coração, é para não perder o elemento que dá origem as nossas emoções. Todos nós sabemos que nossas emoções são a linguagem da nossa alma, e que através delas damos sentido as nossas ações. Ao perder o nosso coração, nos tornamos em seres endurecidos e insensíveis pra vida, homens e mulheres secos e vazios e cuja vida não passa de uma atividade mecânica, robotizada, sem beleza e sem doçura. 

Bom! Eu poderia falar aqui sobre diversas razões porque precisamos guardar o nosso coração, e por que não podemos perdê-lo, mas eu gostaria de me deter a apenas duas delas que eu julgo serem as mais importantes e pertinentes para nós hoje. 

A principal razão pela qual, eu e você não podemos perder o nosso coração, é para não perder o elemento que nos une ao divino, que nos liga ao espiritual, que nos faz relacionar-se com as coisas abstratas da fé e do sobrenatural. 

Sem o nosso coração, não existe relacionamento com Deus. Pois é o nosso coração, a fonte dos nossos afetos e das nossas devoções; O lugar de onde nascem as nossas relações mais intima e pessoais. 

E quando nós perdemos este coração, a vida com Deus se reduz a uma experiência fria, sem vida, e sem sabor. Sem o coração não existe a alegria do encontro, nem o desejo pela intimidade, muito menos o prazer de estar junto. Eu diria que o máximo que se consegue com uma vida sem coração, é um relacionamento puramente religioso, que subsiste a partir do vício da religião, e que se alimenta das manifestações, dos programas e atividades proposto por ela, só para se sentir parte dela, ou melhor, para sentir “próximo” de Deus. 

É semelhante ao sacerdote e o levita da parábola do bom samaritano (Lc 10.25-37). Gente que vive para religião e suas manifestações, sem contudo viver para Deus. 

Eu olho para a comunidade cristã de hoje e vejo muitos “sacerdotes” e “levitas” a semelhança da parábola que Jesus contou. Uma geração que sabe muito acerca de Deus, que fala muito em e no nome dele, mas que apesar de saber e falar muito acerca dele, é a geração mais vazia que se conhece na historia da igreja. 

Uma geração que quanto mais o tempo passa, mas distante dele fica. Porque é uma geração que não cresce, nem em sua fé, nem em seu relacionamento com Deus, e nem mesmo na demonstração simples de vida comunitária, mas pelo contrário, é uma geração que apresenta um raquitismo na fé, uma regressão nos valores, e um verdadeiro atrofiamento relacional. 

Uma geração que vive uma dualidade comportamental, que ao mesmo tempo em que vive para Deus, também vive para as suas perversões e desvios de conduta. Uma geração que homossexualiza Deus só pra justificar a sua homossexualidade. Que marginaliza o seu justo e reto proceder, só pra justificar a sua falta de caráter, o seu desvio de conduta, os seus roubos, e suas barganhas. 

Eu poderia muito bem descrever esta geração me utilizando das palavras do Senhor Jesus, que também faz uso da fala do Profeta Isaías dizendo: 

Este é o povo que honra a Deus com os lábios, mas cujo coração está completamente distante dele (Mt 15.8). Um povo que professa muito amor, mas que no coração só ambiciona o lucro. (Ez 33.31) 

Pois bem, esta é a geração mais vazia, alienada e estranha que se conhece na história da igreja, e tudo isto porque somos uma geração sem coração. 

Precisamos entender que sem coração não há possibilidade de relacionamento com Deus. Sem coração não há lugar para a celebração, para a devoção, para a leitura e aplicação da palavra, e muito menos para a oração. 

Como diria o John Bunyan: 

“Quando orares, é preferível deixar o teu coração sem palavras do que as tuas palavras sem coração”. 

Que Deus tenha misericórdia de nós e nos ajude a reencontra o nosso coração, para podermos viver este relacionamento que ele nos garantiu através de seu Filho. 

A outra grande razão porque eu e você não podemos perder o nosso coração, é para não perdermos o elemento que nos humaniza e que nos faz ser gente, que nos faz olhar para os lados e vê os nossos semelhantes como iguais. 

Quando perdemos o nosso coração, nos tornamos em seres totalmente alienígena, que não tem nenhuma associação com o mundo em que vivemos. Ficamos semelhantes a seres de outro planeta que habita num mundo que não é o seu, e assim agem como seres totalmente individualizados, que vive de si e para si somente, vivendo alheio a vida e os problemas das outras pessoas. 

A ausência deste coração nos torna em seres materializado, que substitui gente por coisas, e que troca àquilo que é valioso por aquilo que é supérfluo e banal. 

Quando eu olho para esta minha geração cristã eu faço a triste constatação que nos tornamos assim, seres extremamente “desumanizados”, que perdeu a sua alma e o seu coração, e que por causa disso não consegue mais olhar pra vida e perceber nela razão de ser, que não seja em si mesmo. 

Vivemos uma mistura de um egocentrismo-megalomaníaco e um hedonismo-narcisista. Onde a nossa única fonte de alegria e realização esta na obtenção de “coisas” e na falsa sensação de prazer mundano, e que em função disto pisamos nas pessoas, desrespeitamos os limites do próximo, e ficamos alheios e indiferentes a toda e qualquer necessidade dos nossos semelhantes. 

Às vezes me pergunto por que ficamos assim? 

Porque gastamos tanto tempo e tanto dinheiro com aquilo que não muda a vida nem a condição de ninguém, a não ser de nós mesmo? 

Porque gastamos tanto com festas, com passeios, com shows gospel, com tantas programações que não faz diferença nenhuma pra vida das pessoas, mas que só serve pra massagear o nosso ego? 

Porque é que não investimos o nosso tempo e o nosso dinheiro, em alfabetizar pessoas que com certeza terão um novo rumo de vida? 

Porque não investimos em capacitação pra mães da comunidade, pra ajudá-las a desenvolverem um trabalho que ajude na renda da família? 

Ou então, porque não investimos na educação infantil, na evangelização das nossas crianças da comunidade, para dar a elas um rumo diferente ao lado de Deus? 

Sabe por que não fazemos? Porque perdemos o nosso coração. 

Estamos “desumanizando” o nosso ser, e nos tornando em seres vazios, que aparenta uma imagem estereotipada por fora, mas que por dentro só resta podridão. 

Que Deus nos ajude a reencontrar o nosso coração, ou se de alguma forma nós já o perdemos de maneira tal que não tenhamos mais condições de reencontrá-lo, que ele possa criar em nós um novo coração. 

Um coração que nos faça amá-lo e servi-lo como de fato ele deve ser amado e servido. - De coração. 

Um coração que nos faça viver dele e somente para ele. 

Um coração que nos faça olhar pro nosso irmão, e vê nele, nosso irmão. Que nos faça olhá-lo com empatia, com uma consciência de que somos partes de um mesmo corpo, e que para o bom andamento deste corpo é preciso que todos nós estejamos bem. Porque eu sei que neste corpo ninguém vive de si, nem para si somente, mas sim para o bem de todos. 

Um novo coração que nos faça olhar as pessoas que estão lá fora, e vê nelas gente e não coisas. Um coração que nos espiritualize, mas que também nos humanize, que nos faça gente boa, gente solidária, gente que ajuda, que se preocupa com a dor das pessoas, gente que se interessa pela salvação das pessoas, independente de quem sejam, e do que tenham pra oferecer. 

Que ele nos dê um novo coração pra sermos aquele que ele sempre sonhou que fôssemos: 
Gente simples e humana, mas cheios da presença divina. 

Que Deus nos abençoe. 

(Mensagem pregada no Aniversário do Grupo Amigos Irmãos em 06/11/2011, na 2ª Igreja Batista em Abreu e Lima – PE)

0 comentários:

Postar um comentário